segunda-feira, 2 de julho de 2012

O aquário - Lenice Duarte Melero


O AQUÁRIO

                Adalberto morava só. Viera do interior para estudar e trabalhar, jovem ambicioso e determinado.
                Sua mãe, velha senhora de hábitos antigos, como cozinhar, lavar e passar para toda família, viera visita-lo e verificar as suas condições de moradia. Depois de muitos conselhos e recomendações, partira , rebolando suas largas ancas, com uma velha mala na mão.
                Deixou para o filho, um aquário com dez peixinhos coloridos e com uma recomendação curiosa:- Meu filho, cuide dos peixinhos.... E preste sempre muita atenção!
                A vida foi prosseguindo para Adalberto.
                - Levantou-se de manhã, muito preocupado com a nova tarefa a realizar no trabalho.                 Teria que usar termos em inglês, sendo que mentira no processo de admissão da empresa. Não era fluente no idioma. - No aquário nadavam alegres nove peixinhos
                - Chegou curtindo seu novo aparelho celular. Quantas facilidades. Equipamento de ponta e ele totalmente envolvido com essa maravilha. -No aquário, oito peixinhos se preparavam para dormir.
                - Brigou com a namorada. Estava arrasado. Ela era muito intransigente, todo mundo sabia que a Lucinaura era uma “peguete”...quer dizer..ele é que não ia ficar para trás. Homem que é homem não recusaria sair com aquela gata. Arrumaria outra namorada. Namorar com a “peguete”? Nem pensar. –Sete peixinhos brincavam no aquário.
                - Desespero total. Não sabia dar nó na gravata. Tinha comprado aquela roupa , para acompanhar a diretoria na reunião com os americanos..e agora..não conseguia acertar um mero nó na gravata. Lembrou do vizinho, bateu à porta do mesmo e ei-lo em poucos minutos, entrando no elevador todo “pimpão”, rumo ao sucesso. Seis peixinhos davam voltas naquele navio de mentirinha, parado no fundo do aquário.
                - Compraram a empresa. E agora? Seria demitido? Olhava para a xícara de café frio sobre a pequena mesa da cozinha. Tinha fome, mas não queria comer. Abriu a geladeira que mostrou-se vazia, esquecera de ir ao supermercado. O jeito foi se virar abrindo a lata de sardinha. Nossa, estava esquecendo de alimentar os peixinhos, agora os cinco,  abriam as boquinhas famintas para colher a ração despejada de qualquer jeito. 
                - Fim de semana, tinha que dar uma arrumada no pequeno apartamento. Fez isso com maestria, graças aos sempre providenciais ensinamentos da mãe. Arrumou no armário , as novas e alinhadas roupas, adquiridas recentemente e vindas da lavanderia. Quatro peixinhos coloridos e serelepes, brincavam nas aguas levemente turvas.
                - Tudo ia muito bem, fora demitido, mas já arrumara um novo e promissor emprego. Foi assim à jato. Sentia-se muito confiante e bom mesmo. Ninguém precisava saber que ele assim, “sem querer”, se apropriara da ideia de um antigo colega e a apresentou como sua, na outra empresa. Que importância tem isso? Dois peixinhos coloridos nadam distantes um do outro, dentro de um aquário embaçado.
                - Preparava-se para sair com novos amigos. Um restaurante da moda, com algumas garotas lindas, bebida cara, estreava um carro novo. Já fazia prospecções para a aquisição de um apartamento, afinal com as ultimas promoções meteóricas, estava com bom saldo bancário. Também, quem mandou aquele gerente otário querer bancar o “paizão” e lhe ensinar todos os caminhos e abrir-lhe todas as portas? O gerente já estava velho e era hora de descansar. Deixem o mundo para os mais jovens, que sabem “viver a vida” como deve ser vivida. No aquário, um peixinho triste e solitário, nadava perdido em seus próprios pensamentos...
                - Finalmente iria para o novo apartamento, e com uma aliança no dedo direito. Ficara noivo da bela herdeira de uma família de muitas posses. Não fez mudança , pois nada levaria, tudo o que havia no pequeno e antigo apartamento, doou para o zelador. Acondicionou suas melhores roupas em duas pequenas malas e preparou-se para partir.
                Ao sair, deu uma ultima olhada ao redor e observou sobre um pequeno aparador, um recipiente de vidro, que lembrou-se ser o aquário que sua mãe lhe dera. Para onde foram os peixes? Não se lembrava ou não notara quando e como eles sumiram! Nesse momento sentiu quase que a presença física de sua velha mãe, que morrera há dois meses, vitimada por uma dessas doenças que paralisam o coração.
                Ele não pode ir ao enterro, pois fazia sua primeira e importante viagem ao exterior, numa missão de trabalho. Mas, para que lembranças tristes, - Vamos em frente! - Pensou
                Entrou rapidamente no elevador que parou logo no andar seguinte. Uma senhora simpática, que ele nunca vira antes, entrou apressada e abriu-lhe um enorme sorriso , mostrando alguns dentes postiços e uma pele levemente enrugada. Sem mais, foi falando assim num rompante: - Vou ali em frente, naquela lojinha para comprar uns peixinhos para o meu neto colocar no aquário. Pensei em dar peixes coloridos, mas acho que ele vai preferir os dourados. Ouro é sempre ouro..me entende? O elevador chegou, ela abriu a porta, não sem antes, dar uma piscadela e sumiu em meio às luzes incertas daquele final de tarde, deixando-o para trás, parado com as malas na mão e vários peixinhos “na cabeça”.

Lenice Duarte Melero
29/06/2012

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